domingo, 18 de julho de 2010

Rubber Soul


Ela quer pares de sapato e eu só quero matar tempo assistindo filmes.
O tempo perdido que joguei fora abusando do tédio enquanto ela pensava no nome que queria nas suas etiquetas. E se tem algo que eu tenho certeza neste momento, uma única coisa que seja, é essa: não quero ter amigos que se importam com etiquetas, muito menos as minhas.
Engana-se quem pensa que há calmaria no tédio. Para mim, o tédio retumba um ódio vibrante em seu interior, disfarçado sob uma pele de aparência tranqüila. O enfado nada mais é que a ocultação de uma insatisfação descomunal que está sempre prestes a explodir. A inércia é um descaso momentâneo que espera o estouro de uma insatisfação. E de repente, bum.
De repente, cansa-se de estar cansado. Cansa-se das pessoas que se importam com etiquetas e sapatos, das pessoas desinteressantes, das músicas ruins e da obviedade. Encontro-me fatigada até as têmporas das pessoas de plástico, com seus sorrisos de silicone e cérebros de borracha. O superficial, que nunca foi suficiente, deixa de ser sequer significativo e tudo o que se quer é meia hora de uma conversa que valha a pena.
Então se lembra que é julho, o frio corta o seu rosto ao ar livre, a chuva não parece acolhedora e você está apático; tudo o que se pode fazer é esperar observando paredes brancas, telas vazias e janelas cinza. E eu não gostaria de esperar por nada, porque eu quero tudo isso - tão simples - agora. Todas as pessoas reais de volta: as que sangram e enlouquecem, mentem e são sinceras, pensam e riem, choram e não são inconvenientes ou sempre felizes. Porque pessoas reais são assim.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Esquisitice


As luzes brancas apagaram e duas lâmpadas fracas (uma azul e outra laranja) acenderam o ambiente em uma meia-luz inspiradora. Pessoas se moviam ao meu redor desordenadamente, me fazendo querer registrar inúmeras fotografias do lugar e armazenar a inquietação de todos ali. A atmosfera por si só possuía vida única, própria e particular regada por sons de guitarras, baixos e baterias em alto e bom tom frenético.
Identifiquei na parcial escuridão cinco pares de tênis iguais, velhos, pretos e surrados. Um deles era o meu e contrastava estranhamente com o vestido de ar supostamente feminino. Não sabia onde pôr as mãos e muito menos onde pôr os olhos – os únicos bem guiados eram meus ouvidos atentos à música que eu conhecia (e adorava). Eu bebia refrigerante: contribui para a lucidez, ainda que eu não seja a maior admiradora e seguidora dessa qualidade.
Meus olhos percorriam todo o recinto. Da garota de corte de cabelo cheio de pontas no balcão aos desenhos em grafite de ícones na parede colorida. Era tudo antigo o suficiente para agradar a alguém que não pertence à época certa, como eu.
Na realidade, o lugar estava repleto de loucos por qualquer coisa que não fosse monotonia. Qualquer resto de diversão e qualquer vestígio de alegria – eu quis assim como todos os que estiveram ali. Do homem traindo ao moço embriagado, da garota-de-cabelo-preto-com-pontas-repicadas à senhora que levava a mão ao peito a todo instante. Os músicos e seus instrumentos agitados inquietos e vibrantes, ecoando uma insana intensidade contagiante também a buscavam; essa dose de antídoto para a rotina e esse remédio para um desgosto qualquer. Eu ainda não sei o que era, mas sei que a busca estava ali, em todos aqueles estranhos com uma dúzia de coisas em comum: tênis idênticos, mesmos gostos musicais, a simpatia pelo preto, pela bebida (ainda que não-alcoólica) e essa procura por uma coisa qualquer.
Essa coisa, ainda escondida, buscamos no fundo destes copos meio vazios, nos solos desses instrumentos de som metálico, no chão quadriculado do espaço um tanto escuro, nos poemas musicais sussurrados para si mesmos na tentativa tola de aproveitar a música ressoante, nos desenhos grafitados de uns ídolos que compramos para nós.
Ainda procuro essa essência qualquer para uma falta de conformismo que já perdi faz tempo entre os meus pares de tênis surrados, músicas dilacerantes e olhos esfumaçados com sombras escuras – coisa que ninguém percebe. Minha aparência delicada disfarça esse detalhe essencial e não condiz com nada além dela mesma. Meu exterior me é estranho.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Retrato de um Solitário


A noite esconde em sua escuridão infinita o gosto do segredo, o rosto pálido, acordes de guitarra. Madrugadas soltas e loucas do corpo fresco de um jovem fugindo do tédio como foge da cruz e da solenidade.
Gosta dela, deleita-se em seu mel: um véu de escuridão apaziguadora de inquietações, escondendo marcas de erros cometidos.
Cabem ao alvorecer os ares de ressaca, os pés calejados, as roupas amassadas e os espasmos corporais. As pequenas frases que recebe em forma de bilhetes em seus dias mortos tiram-no da solidão. E só.
Não sabe ao certo o rumo que segue, embriagado demais para saber seu nome, triste o bastante para não se importar com isso. As luzes da cidade são como um farol. Como um órgão pulsante e suas inúmeras células – apagam e acendem, morrem e renascem. Aliás, não nascera para sua década. Como um estranho em uma terra estranha, criando para si comparações com um passado muitas vezes inexistente, comparações com outro lugar que ainda não conhecera.
Sentia-se ainda semi-humano. No útero. Toda e qualquer imagem e impressão ao seu respeito era pré-concebida, mal-feita, mera observação desimportante. Ocupava o tempo com escritos de gaveta, fotos da luminosa cidade e vídeos mudos de pessoas passantes na rua urbana. Era o escritor de pequenos contos anônimos, fotógrafo do que não importava a ninguém e diretor de um filme em preto e branco. Reflete, portanto, o conto
o quadro
a foto
o filme de sua própria vida.
Pequena.
Anônima.
Desimportante.
Em preto e branco.