sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Quebrando Silêncios


Faço desenhos em minhas pernas pálidas com canetas coloridas enquanto absorvo acusações e as palavras indelicadas. Tentando entender a razão de ser do ódio. As janelas abertas avisam-me de que as ruas têm cheiro de maresia e aspecto de início de verão – e eu com isso? Estou composta, reta e sã. Com um gosto doce na boca, de frutas vermelhas, dando-me conta do passar incessante dos segundos no relógio. No silêncio vagaroso, digo em voz alta todas as coisas que vem em minha cabeça em instantes pelo simples prazer de cortar com o som da própria voz o sossego da tarde:
- Sorvete de nozes! Dedos. Vírgula, Números! Voz nasal. Torneira. Tosse... Cansaço. Água; Uma caixa. Impulso? Música lenta...Horas perdidas. Sorriso--

O aborrecimento e a raiva não vieram. Ainda não os entendo, mas compreendo a tranqüilidade em saber que existem. Ou talvez eu entenda a raiva e o ódio – apenas não me importo com eles – porque agora respiro um suspiro calmante. O suspiro calmante do não-sentir. Simples e fácil, o sopro de alívio é quase um produto pronto, comprado em uma prateleira de vidro e sob medida. A medida da sua aflição.
Torna-se fácil não se importar com o que estão dizendo ou com o que estão analisando a respeito das coisas que você não disse quando o seu verme interior exclama um ‘dane-se’ aos que não fazem idéia do que você pensa, aos que não conhecem sua capacidade de não mais desejar e de não mais querer. Aqueles que não se importam com o que há do lado de cá do muro.
O vento assusta-me um pouco e quebra meus devaneios como há pouco quebrei o silêncio da tarde. Eu, despedaçando silêncios, quem diria. Quem diria?
Eu diria.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Desordem


O verme causador das enfermidades, as traças roedoras dos móveis da sala, as teias de aranha no teto claro não são nada.
Quando a pior mentira é a omissão,
Quando o maior caos é o silêncio,
Quando o pior erro ninguém cometeu.
Não há problema algum exceto a própria desordem que foi causada sem que se percebesse, como alguém que quebra uma bailarina de vidro com um movimento brusco e distraído, pondo fim ao frágil cristal de silhueta delicada. Não existem máscaras ou disfarces, tudo o que há são os lábios calados e a mente despercebida; entretanto, não há quem acredite nos seus verbos, advérbios, olhos e metáforas.
Quando não há diferença entre você mesmo e um parasita – bingo. Este é o erro. Todos os seus atos tornam-se pecados, a sua doçura parece não existir e o seu tempo é curto demais. Todos os fatos contra as suas falhas, desafiando a ponta do seu nariz em uma provocação dolorosa: e aí, amigo? Onde está o ar que você respira agora? Onde está a sua pompa e o aspecto de dignidade?
Olha-se no espelho, torna-se o sanguessuga imundo e não faz idéia de como se via antes disso diante do mundo. Porque os reflexos eram todos mentirosos, escondendo todo o mal que causava a si mesmo. E você mesmo não sabia que era a insignificância, o gancho perdido.
Quando você despedaçou seu próprio teto e não percebeu, quem se desintegra é você. Seu rosto não encontra um ombro – felizmente – encontra seis. Seus dedos não mais destroem, no entanto, escorrem de mágoa própria e desgosto próprio. A boca é seca porque não há mais líquidos a verter. Teu rosto é uma cópia amarga, uma imitação barata do que mais temia. Por fim, você recebe a pena perpétua de se lembrar do que cometeu. É isso: dar-se conta e cair em si. You're invisible now, you got no secrets to conceal; like a complete unknown, just like a rolling stone.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Recital (Do Que É Belo)


Eu gosto das coisas bonitas que diz e das poesias que recita quando está distraído. Eu gosto do que é belo, ainda que soe perigoso, cruel e ameaçador. Não há segredo algum em suas palavras assim como não possuo segredo algum. Só há um ar de mistério encobrindo-me como uma capa, que é nada mais que isso: nada.
O entendimento que existe no nosso silêncio me satisfaz e somos dois pedaços sólidos e invertidos, cada qual com seu cada um, com seus braços abertos sobre o ar de novembro. Não há vergonha em ser sutil, não há dedos suficientes para cobrir a boca que sorri risos imensos ou para levar aos lábios o sustento da alma.
Tenho mãos que cedem e abdicam de sua pele, tenho uma garganta que trava com sua aflição e uma mente que descansa ao esquecer-se de uma ausência. Não me importo em somente observar porque tocar só pude uma vez; não me importo em saber que sorri porque rir só te fiz em uma ocasião. Não me importo em saber que não amas alguém. Só me importo em saber que é, está e suspira. Enquanto assisto a tua beleza viva admitir-se tola. Enquanto espero que me diga as coisas que ninguém nota. Enquanto amo sem amar.
As mãos caem por teu rosto austero, as pernas enfraquecem sobre os pés cansados. Absolutamente tudo acontece se o ar é propício e tudo é tão esquivo, tão frágil diante dos olhos daquele que também é fraco e propenso a toda e qualquer coisa.
O belo só é belo porque arruína e, por saber-se arruinado, sorri embasbacado diante de tudo.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Porta de Saída


Pousando em um caos confortável cercado por paredes brancas outra vez.
Eu deixei repousar em você poeiras verdes dos meus olhos e pedaços de poesia vermelha vindos do meu cabelo? Poderei alcançar-te outra vez quando o ambiente estiver suscetível a isso?
Eu gostaria, eu poderia, eu faria, desejaria, dançaria, giraria, suaria e temeria passar por tudo outra vez. De bom grado, sorriso aberto, mãos estendidas e pernas amolecidas. Por horas ou só alguns segundos. Seria mais fácil se saísse da fortaleza e descesse do topo da torre de fingimento. Porque ambos sabemos e só fazemos fingir, como se nada acontecesse e nenhuma sombra de anseio pairasse no ar. Porque sabemos que paira (e invade). E mesmo que isso acabasse, que a sombra findasse, que tudo se realizasse – não significaria nada além de um abalo momentâneo, com fim estabelecido antes mesmo do seu começo.
Quem foi que se esqueceu de me ensinar a multiplicar instantes extraordinários? Quem é que não soube me mostrar como se preservam as boas coisas desse lugar? Quem é que se esqueceu de se esquecer e ainda persiste me fazendo lembrar?
Suspiro em um canto sem que saiba, não duvidando de nada, rezando por nada, torcendo por tudo. Estou sentada aqui e não sou eu. Estou escondida atrás dessa porta clara e não sou eu. Estou parada, parecendo calma, plácida e lúcida, mas só porque não me deixam, a plenos pulmões, dizer as provocações que adoraria poder fazer. Continuam não me permitindo anunciar todas as inutilidades que me cochicham vontades incessantes, excessivas, de altos brados.
As pessoas que possuem agora os seus “instantes de dois” continuam a cercar-me com seus risos sadios, dedos de anéis e lábios de amantes, enquanto tudo o que resta em minhas mãos é o vazio de uma fuga (uma fuga que não é minha).

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

E Se?


Luzes, olhos e vozes. Cheiros, chuva e palavras. Contentamento, escuridão e braços estendidos.
O que não foi não era para ser, enquanto tudo pipocava em chamas azuis.
Minhas pálpebras desfalecem quando o sol se põe. Minha pele brilha no canto vazio. Os papéis foram picados, ficam-se os cortes e um riso feliz. Dois anos, três minutos.
(tempo-tempo-tempo-tempo)
Olhares com bons aromas, abraços de belos tons. Tudo isso me convém, ainda que este seja o mundo errado com pessoas distorcidas, de corações invertidos, tortos, de vontades errantes.
(Have I ever told you that I could love you easily?)
engraçada a forma como as vidas se cruzam
a engraçada forma como as vidas cruzam-se
a forma engraçada como as vidas se cruzam
é engraçada a forma como cruzam-se as vidas
se cruzam as vidas – engraçada é a forma!
formas se cruzam em engraçadas vidas
vidas cruzadas como em formas engraçadas
formas vivas cruzadas com graça
graciosas formas cruzam-se em vida
cruzamentos formados em vidas engraçadas
vidas? cruzaram-se as nossas, com graça!
V I D A S G R A C I O S A M E N T E P O S T A S
E M U M C R U Z A M E N T O

Primeiro, um vislumbre de algumas horas sob luzes douradas, disfarces encobrindo faces risonhas em um instante de dois. Depois, um bilhete rascunhado com elogios. Em seguida, espionando irritantemente sobre aberturas de portas. Por fim, as palavras certas e, entretanto, nunca suficientes; a realidade exposta; os gestos ternos e sempre sinceros e ainda assim nunca bastantes para que eu demonstrasse - porque eu só precisava gritar e exclamar; e eu só queria gritar e exclamar que tudo é tão possível, mas tão improvável.
(ah, se o mundo fosse outro, se ele não girasse,
se ele fosse um pouco mais preto e branco
ah, se o mundo tivesse outros moldes
se minha cara fosse outra,
se sua essência fosse outra
ah, se fôssemos pessoas certas
se fôssemos lúcidos
se fôssemos santos! – ah)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Dentes Sedentos


Bolhas flutuantes de fascínio fluindo por cada centímetro de um corpo magro. Olhos colados em um rosto próximo que suspira. De meu lugar, observo dentes quadrados e perfeitamente postos na gengiva prontos para morder, rasgar e dilacerar. Os dentes prontos para sentir novamente o sabor doce, amargo, agridoce, podre e delicioso – tudo é o mesmo! Porque os dentes é que sentem. E são as unhas que agridem de forma afetuosa. E os pés que se sujam em uma poeira desgastada.
Assisto, pois estou tomada por um cansaço-alívio de quem correu, de quem pulou e de quem soltou os ossos em um dia suave, com cabelos cheirosos e pernas rígidas. Blasfemando os erros cometidos com a voz rouca, observando curiosamente o desejo repentino aflorar nos dedos. Nem mesmo sabendo o porquê. Nem mesmo entendendo o que é que me fazia empurrar os braços naquela direção, virar a cabeça falsamente raivosa para o lado de lá e agitar as mãos de forma tola para cá. Um arrebatamento tomando conta de cada minúsculo poro e cada miúda célula, da raiz dos dentes até a borda do calcanhar. Tal sensação ignorava a cabeça e o cérebro, não havendo espaço algum para lucidez ou consciência, apenas instinto e impulso direcionados involuntariamente para uma loucura palpável ali, no alcance das mãos. O desejo incontrolável de ferir com cuidado, destroçar com meiguice, rasgar com afeto.
Quando permitir que eu me afogue em minha própria sede, não fuja, não se deixe ir. Mal aprendi a fazer conflito, machucar nem devo saber. Sossegue: talvez eu não fira, talvez não te doa, talvez nem tenha dentes e unhas - devo ter arrancado todas.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Charada


"Eu traço tantos planos
Brilhantes, antes
De te ganhar num salto
Mortal, de iniciante
(...)
Por enquanto, por enquanto
Eu miro o índio que eu sou
No teu ser
E alcanço
Viagens tão óbvias
Loucuras tão sóbrias
De um iniciante"


O que é que me tira a voz quando devo gritar?
O que é que endurece meus braços quando devo abraçar?
O que é que prende minhas pernas quando devo correr?
O que é que me amolece quando preciso de rigidez?
O que é que me dói quando estou sorrindo?
O que é que eu não sei?
O que é que me faz rir quando não deveria de coisas estúpidas, mais estúpidas do que eu?
Poucas vezes uma bomba, outras tantas um silêncio, um sussurro baixo, uma graça burra, um saber calado.
O que é essa outra face que se debate em loucura aqui dentro e ninguém vê, ninguém sabe, ninguém gosta e ninguém nunca ouviu falar? Clamando por uma atenção desajeitada, torta e sem jeito. Uma força que não aparenta e anda à minha espreita como uma sombra que nunca me abandona. Vez ou outra estende seus braços para fora de mim em busca de liberdade.
Algumas coisas nunca param de incomodar.
Algumas coisas nunca morrem e só se transformam em seus exatos opostos.
Algumas pessoas nasceram erradas nos momentos errados para os tempos errados e só elas me restam.
Dia desses amei você. Agora faz dois minutos que te odeio tanto e sempre. E espero que estoure e exploda longe daqui, enquanto aceno pacificamente para sua indiferença.
O que é que eu não sei?
O que é que eu não vejo?
O que é que eu não sinto?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Ventania


O vento quebrava os vidros das janelas e derrubava os fios condutores de luz enquanto jogávamos conversa fora em uma sala lotada. Apreciando muito, sempre e tanto - nada menos que isso - entre olhares subentendidos e risonhos vibrando uma semi-desordem. Estava eu pedindo opiniões despretensiosas sobre meu andar esquisito, minhas mãos soltas e minha voz falha enquanto a ventania descontava sua ira nas árvores imensas que cercavam aquele espaço iluminado. Deixei que as músicas ecoassem, que você fizesse alvoroço e que as folhas ribombassem pela porta em um projeto de tempestade de verão.
Em meus olhos, o lá fora e ali dentro misturavam-se em uma só imagem: seus olhos saltados ora de riso e ora de nervos em sintonia com o aguaceiro e o vendaval ora enfurecidos e ora saltitantes do outro lado da janela quebrada. Gostaria de poder contar todos os pensamentos que permearam minha mente nas últimas semanas sem que risse, ignorasse-os ou virasse os olhos para minhas afirmações. Nem mesmo que fosse só um suspiro secreto sussurrado solitariamente pairando perto dos seus ouvidos desatentos.
Parece tão fácil contar-te todas as outras coisas enquanto apenas uma única verdade esgana na garganta sem que possa ser dita e nem mesmo repetida à própria sombra. Bastar-me-ia um pedacinho de tempo, alguns segundos talvez, qualquer um destes que você desperdiça observando as pessoas erradas para que eu te contasse e você esnobasse totalmente minha face desejosa. Sem dizer nada mais, despedi-me e mesmo sem lhe falar, estou certa que já sabe o que é que me irrita tanto e o que é que anseio tanto. Pois, estou lhe dizendo agora... meus olhos repletos de vontades não sabem mentir.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Campo Minado


Construíram muros onde eu nunca quis que o fizessem e agora sobro em um vácuo recheado de perguntas que eu não soube fazer. Fingi que todas aquelas palavras indiretas escritas não-sei-aonde e aquele gesto doce eram sobre mim porque havia alguma coisa clamando (pedindo e sussurrando um acanhado desejo) aqui dentro para que fossem sobre mim. E esta dose de ilusão me fez tão bem tão tanto tão bem. Tão estranho assistir lágrimas caírem sobre um sorriso calmo. Tão sutis as pequenas gotas cristalinas molhando uma felicidade serena que observo no espelho. Perdoe minha obviedade, por talvez não conseguir, por estupidamente tentar, por silenciar o que deveria ser gritado a plenos pulmões pelos quatro cantos daquele lugar que tanto gosto.
Repetindo corajosamente as mesmas frases sobre o tapete sujo, tento tatear alguma ideia bendita que facilite meus passos e meus gestos meio grosseiros, meio suaves, meio bruscos e meio frágeis. Não quero sentar-me por quatro horas inteiras entre essas paredes de cor marrom-amarelado ouvindo falatórios que não me trazem nada além de tédio e um par de ouvidos ensurdecidos pelo barulho de vozes alarmadas conversando freneticamente entre si. Só quero aquele outro lugar, aquele mais raro, aquele que dói, mas que também sorri. No qual encontro conforto ainda que por vezes seja como pisar em ovos, escolhendo minhas palavras com um cuidado indevido. Essa felicidade esquisita queimando por dias em meus olhos sonolentos sem que ninguém soubesse sobrevive sorrateira em algum canto de mim, cochichando-me as regras de sobrevivência nesse campo minado que ainda aprendo a respeitar.