segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Ela Que Não Sabia


Ela se escondia entre aglomerados de lascas de madeira durante o dia por ter medo da claridade do sol. Ela não era capaz de limpar a sua própria imundice e prestar atenção em nada. Havia deixado pilhas de papéis com todos os seus escritos debaixo de uma escada para o cara que ela supostamente amava. Infectava-o com uma falsa sensação de liberdade comprada; com seus olhos derretidos em sarcasmo e poder, ela deixava-o livre sabendo que ele não iria a lugar algum enquanto ela ainda possuísse aquele sorriso irônico estampado no rosto. Era tudo o que sabia fazer: deboches e textos. As suas manhãs de domingo e as tardes de segunda eram sempre dor-de-cabeça porque os sábados à noite a embebedavam. Ela matava baratas para se sentir limpa. O cheiro de menta dos carros quase vazios a faziam querer fugir para um bar que possuísse assentos almofadados e confortáveis ao lado de um ou dois amigos que tinha em mente.
A garota lembrava que o cara que deveria amar cheirava a palco por alguma razão absurda e desconhecida, andava muito reto e sério – coisa que irritava seus nervos e fazia com que ela estivesse a todo o momento em posição de ataque (como se pedisse uma atitude: lute ou conserte-se). Ela raspava a cera de velas de aniversários passados quando estava nervosa - como um ratinho roedor de queijos - destruindo toda a matéria que pudesse desintegrar e estragar. Vestia-se com as roupas dele e não sabia limpar as próprias unhas porque estavam sempre curtas demais para que se importasse e longas o suficiente para que arranhasse os próprios joelhos avermelhados. Sabia cuspir, xingar e gemer, mas parecia mais um garoto assustado trancafiado em um quarto cheio de barulhos estranhos e uivos sombrios. Gostava de segurar as mãos das poucas pessoas que amava porque isso a fazia sentir viva e tolamente feliz, procurava por parte da sua identidade esquecida em qualquer pedaço de arte que conseguisse encontrar para que se sentisse alimentada. Ela não soluçava na frente dos outros porque se sentia nua. Ela não queria se sentir nua porque precisava ser aceita. Ela precisava ser aceita porque sabia fazer acertos. E ela só acertava quando aprendia a soluçar na frente dos outros.
Essa tal moça sabia dançar com os pés descalços até que estes começassem a descamar nas solas, tirava fotos da neblina matinal para que não sentisse saudade do inverno acolhedor e só usava tênis sujos que a deixavam com a estatura baixa e atarracada. Cometia erros na vida como se tropeçasse em pedras e jamais falhava quando se tratava de análises e críticas. Ela escondia-se debaixo de cobertores felpudos e canecas de café para que o seu suposto amado não a encontrasse e para que aprendesse a sobreviver com o ar rarefeito e respirar em lugares sem ventilação. Ela se contradizia ao se destruir por não saber desejar as coisas, fazia tudo (absolutamente tudo) para que sentisse os efeitos dos seus próprios atos e para que, somente então, pudesse ser humana.

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