terça-feira, 26 de abril de 2011

Enigma No Trapézio


Pensei ter desaprendido o artifício das letras. Contudo, por mais que a pele e também a carne predominem e prevaleçam por certo tempo é com as palavras que me componho e teço a teia da franqueza. Não sei ser sempre sigilo. Pois a raiz de todo o mal é o silêncio, a raiz de todo o silêncio é o medo e toda a raiz sabe morrer.
Andei nos últimos dias com uma placa pendurada ao pescoço como um bobo da corte, dizendo “abandone ou abarque”. Assim, calada. Com a placa na nuca - dizendo tudo - rasgando todos os meios-termos: os meios-amores, esses abraços meio molengos, as estradas bifurcadas, a androginia, as cortinas vermelhas divididas em dois, as mentiras sinceras, a malícia angelical, as pernas bambas, os “boa tarde” às sete da noite, as línguas maldosas, as línguas delicadas, os “eu-não-quero-eu-não-sou-e-eu-não-vou” misturados aos palcos, às cadeiras, aos lábios, ao tempo inteiro e o tempo-meio debaixo dos pés e sobre a cabeça. Propondo, calada, o fim ou o começo, o enigma da esfinge, as idéias de Brás Cubas penduradas no trapézio: “decifra-me ou devoro-te”.
Envelhecendo dez anos em vinte dias ainda se é jovem demais para entender (porque sempre se é jovem demais para decifrar qualquer coisa, inclusive a si mesmo).
Quem é que tem medo do lado do vento que sopra?, quem é que tem medo da poeira acumulando nas coisas?, quem é que tem medo do rosto enrugado e das pernas entortando com o tempo passando?, quem é que tem medo das ruas sem luz nas noites de julho?, quem é que tem medo do barulho que faz quando dispara o gatilho?
Quem é que tem medo de não ter medo e acabar morrendo de excesso de paz?

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Limelights

Com as pernas bambas e um tanto rígidas, punha o corpo a subir escadas de êxtase. O peito ansiando, antecipado, sob as roupas pretas, por luzes e sons. Os pés agora descalços sobre a madeira escorregadia, os tecidos escuros a todo o redor regando o lugar com uma escuridão confortável. Pequenos temores a escorrer na espinha enquanto outras pessoas – tão extasiadas quanto, tão descalças quanto – movimentavam-se entre sussurros e braços. Havia cordas ressoando também. E gente do lado de fora. Todos os vários pares de pés nus então ascenderam do chão (escorregadio, tão limpo, quase ferindo estes pés com suas farpas de madeira; e havia música, tanta música do lado de dentro do lado de fora por todos os lados por dentro de todos) pisando agora em superfícies escuras, de plástico, de aço, de medo, de fulgor e então.
Então os olhos abriram-se pela primeira vez em cortinas de fogo e a língua salivou pela primeira vez o gosto de sal e loucura.