domingo, 31 de julho de 2011

My Best Wishes


Eu quis criar um universo paralelo onde você e todos os outros pudessem ser felizes. Eu juro por todas as coisas que já te disse que eu quis, naquela madrugada em que você me contou aquelas coisas, ser capaz de fazê-lo, mas eu não pude. Nesse outro universo você teria me enxergado de súbito, como alguém que caminha por estrada estreita e topa em uma pedra. Eu juro, eu quis ser a tua pedra nesse outro universo. Você tropeçaria em mim logo no começo da tua estrada, bruscamente, tão repentino que as minhas bordas rústicas cortariam as tuas pernas e os teus pés, fazendo sangrar um pouquinho. Só assim você me enxergaria. Porque nesse universo – o real -, você flutuou por mim e continuou seguindo. E agora está tudo limpo e seguro demais e o seguro te sufoca.
Mas me desculpe, agora é tarde demais pra que eu bagunce o seu caminho seguro e sufocante. Você precisa saber uma coisa que me dei conta e que você talvez não tenha se dado conta ainda ou talvez nunca se dê conta (porque está preso nesse universo sem pedras onde não pode sangrar e, conseqüentemente, não pode viver) e te deixo transcrito abaixo como quem sabe fazer versos, em bilhete soturno:
a gente espera por aquilo que não faz,
a gente faz aquilo que não espera,
a gente fala aquilo que quer ouvir,
a gente esconde o que queria dizer,
a gente mendiga aquilo que não somos nós,
nós não somos nada e mendigamos ser.
Estou no ápice dos meus nervos, estou no ponto culminante dos meus nervos que silenciosamente fervem de uma lucidez muito crua a respeito da sua situação (e também da minha). Nós estivemos calmos por muito tempo, mas você diz que topou comigo agora – justo agora, é tarde demais! – mas não sobrou nenhum canto cortante na minha superfície de pedra, então não posso te arranhar e te fazer sentir qualquer coisa que não seja inércia. Me desculpe, a minha acidez é agora única e exclusivamente minha. Tudo que eu posso te dar é esse bilhete e pedir e rezar (embora eu não reze) e torcer (embora eu quase nunca torça) e desejar (sim, eu desejo muito) que entenda e silencie e cale-se e sossegue assim, tal qual um chuvisco, quase como uma brisa de setembro ou de abril, um sussurro de despedida, o silêncio das manhãs de domingo, o mar batendo saudosamente sobre um corpo semi-nu, eu desejo a você, é isso que eu desejo profundamente a você.

domingo, 17 de julho de 2011

Congelados


Estivemos caminhando ao lado de um rio de escuridão. Até que houve um domingo em que nós chegamos ao ponto em que o rio deságua no mar e aquilo tudo ficou gigante demais para os nossos corpos miúdos. E então nós decidimos parar. A lua inchou no céu e tudo o que se movia eram dois cachorros negros latindo ao redor do rio. Nós estagnamos diante da imensidão sombria do mar.
Toda aquela água salgada (que antes, dio mio, era doce) nos acusava em seu suave barulho de ondas que nós éramos covardes. Que nós não iríamos nunca, nós não seríamos nada nunca porque éramos inúteis e que tudo estava tão salgado, tudo era salgado demais para nossos corpos miúdos...
Vou te contar uma coisa: os meus olhos também estavam salgados. Você não via porque estava escuro demais. Mas os meus olhos também eram mar. E eu soube – porcamente sentindo – que os teus olhos também eram mar. Então eu te desejo muito, muito, mas muito açúcar. Ou melhor, eu desejo a nós muito, muito, mas muito açúcar. Para parar com esses nossos olhos de sal.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Antropofagia


Ando achando que todos os tipos de relacionamentos existentes foram feitos para ir enlouquecendo a gente devagar, assim como o cigarro vai matando aos poucos. Tenho achado que conviver é definhar em silêncio.
Todos os principais motivos da sua loucura não se importam com o que são e nem sequer sabem o que são. Nem desconfiam que andam te enlouquecendo quando discutem com você no meio de uma escada ou quando insistem (e como insistem) – é só pra te definhar, é só pra te fazer engolir em seco, é só pra te deixar no caos que você acumula todos os dias. É só pra te fazer deixar.
Uma caixa de charutos empobrecida consome tantos pulmões quanto as pessoas se consomem, em uma eterna antropofagia. Todo o ser humano é um canibal nato e não nega sua condição por puro prazer. Há um prazer na agonia alheia que não se explica, e também na própria agonia; o mesmo prazer daquele que inveja e daquele que fuma, do que ambiciona e daquele que come em excesso.
Dotados de podres poderes e “liberum arbitrium”, nós nos mutilamos em segredo. Finge que não entende quando digo que as paredes ainda molhadas de tinta têm cheiro de lágrima. Finjo que o meu silêncio não é um punhal. E continuamos nos perdendo, perdendo, perdendo, perdendo, perdendo...
em nossas próprias mentes – dois Dorothys sendo levados por um ciclone à Terra de Oz.
E o próprio amor (que nos parece sempre tão imaculado) chora, odeia, arrepende, desfaz e volta a ser carinho, afeto, açúcar. Para logo depois ensurdecer, rasgar, estraçalhar, morder e decepar tudo outra vez, no eterno ciclo dos canibais.
Como Hannibal, eu afundo na tua carne humana os meus dentes igualmente humanos, com os olhos ainda sãos. E enlouqueço.

(tão doce quanto sanguinário)