segunda-feira, 14 de novembro de 2011

No Imperativo


Me diz o que é que eu faço das coisas que eu quero dizer. Me diz o que é que eu faço se tudo que eu sempre faço é esconder. Me diz se eu enlouqueço ou deixo de lado, se teve sentido ou se está tudo vago, se eu tenho um espaço. Me diz se o que eu tenho feito é perder tempo, escrevendo bobagens, rezando por um tempo que não volta, me jogando tortamente nos cantos ou nas poltronas, atormentando outros ouvidos, saboreando outros silêncios. Me diz o que é que eu faço das minhas mãos pedintes e dos meus pés descalços, dos domingos perdidos, dos morangos, das tardes. Me diz o que é que eu faço das tardes, por favor.
Me diz se eu desfaço ou desamarro, se eu mergulho em Drummond e deixo Vinicius, se é vermelho, preto ou cor de vinho, se apago as luzes ou escancaro as janelas, se tranco as portas ou abro os braços. Me diz se é gelo, bobagem, ‘até nunca’, me diz em que modo e tempo devo conjugar os verbos e com que pronomes eu devo me referir a isso. Me conta o que é que se conversa depois das três da manhã, se eu nego e me despeço, paro e me arrependo, continuo e vou de mansinho, como quem não quer nada e bum. Me diz como se foge das coisas na sua própria cabeça, como é que se escreve uma música, me diz como é que se diz. Como é que se diz as coisas que se quer dizer, quando se sabe o que se quer dizer, mas não se sabe como fazer. Como é que se diz tudo aquilo que nunca disse, mas que deveria ter sido dito há muito tempo. Me diga o que eu não posso dizer, me diga o que eu devo dizer, me diga o que eu devo fazer só pra que eu possa me alinhar, só pra que eu possa me alimentar de novo, só pra eu poder escutar - só pra que eu possa sossegar outra vez no seu desassossego.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Reprise


Então é isso um ponto final. É isso um ponto final? É um ponto...
Desculpe-me por usar tantas reticências. É que eu não consigo deixar isso para trás. Eu fico remoendo aquela noite de sábado, em que eu tremia feito uma criança amedrontada. Eu dizia que era só o frio, deitada no chão da sala, mas talvez eu apenas estivesse em um estado de graça nunca conhecido antes por alguém como eu. E isso me dava um medo estranhamente feliz.
Eu fico reprisando na minha mente já conturbada o tom da sua pele nas costas das mãos e o cheiro do seu cabelo recém-molhado do banho. Repriso, repriso, repriso, como eu reprisei em mim todas aquelas coisas que um dia eu senti, abandonei, voltei a sentir e está (estão) me forçando a abandonar outra vez. Mas eu me prendo demais às reticências, eu não consigo deixá-las de lado...
Releio aquelas palavras como um novo livro de histórias, mesmo já tendo decorado-as tanto como decorei as do meu livro favorito. Mas “é como um rio que flui indo certamente para o mar”, sabe? Eu não posso evitar todas aquelas músicas, eu não posso evitar todas aquelas letras, eu não posso evitar todas aquelas palavras que eu digito freneticamente, eu não posso evitar toda essa ausência.
Ai, não me lembra, não me lembra, cara lembrança, de “Ausência”, de Vinicius de Moraes. Não, não, não me lembre da existência daquele verso-- eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces / porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto -- que me dá até um silêncio.
Dia desses tive um sonho com aquela noite de sábado. Dia desses quis congelar o tempo naquele primeiro dia e parar todos os outros dias e cessar todo o passar de horas, o passar de vida, o passar dos meus pés capengos (e lentos, sabe) -- no entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida / e eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz – mas provavelmente ninguém além de mim gostaria de ficar por lá, naquele dia, parado.
E mais uma vez eu mato o que me faz bem. É quase como se eu matasse toda e qualquer possibilidade de felicidade em uma tola e estúpida tentativa de, justamente, ser feliz. Coisa de gente que dá ouvido demais a sermões e a falatórios estúpidos. O que me faz duas vezes estúpida-- eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face / teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada -- , duas vezes auto-destrutiva, duas vezes repensada, duas vezes seca, duas (ou três, houve outra há muito tempo) vezes encolhida no meu próprio lixo.
Eu confesso, ia vir aqui e falar sobre como a vida é mesmo mais Nelson Rodrigues, como a vida é mesmo mais Bukowski, sobre como a vida é limpar a merda dos outros nos banheiros públicos com o coração estraçalhado, sobre como a vida cheirava a coisa podre e lágrima, mas eu não vou porque -- porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa / porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço / e eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado / e eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
É aquele nó outra vez, aquele gosto de erro todo outra vez, aquele gosto de mágoa, aquela cabeça abaixada atrás da porta vermelha, é a ausência, a ausência, -- e todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas / serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada – a voz que eu odeio calar.