sábado, 10 de abril de 2010

Ontem



Seria como se o oxigênio não mais penetrasse em meus pulmões. Você nunca poderia saber – me faria sentir suja. Certas coisas não devem ser ditas. Lembranças. Muitas delas tornam-se meros espectros, quase mentiras inventadas pela memória opaca com o passar dos anos.
Quem me dera se os anos não passassem e seu sorriso permanecesse como um personagem real do meu mundo. Um dia irás embora depois de lágrimas vertidas entre abraços. Sentirei-me sozinha em uma dessas cidades suntuosas e cheias de gente, solitária na Avenida Paulista em meio à multidão incansável. Lembrar-me-ei de que para um abraço, bastava olhar ao lado e ver seu rosto. Lembrar-me-ei das canções dos dias ociosos e dos segredos que guardei para que continuássemos bem. Segredos sujos – permaneci calada.
Foi melhor permanecer em total ignorância. Ignorar seus pormenores sutis e graciosos para que ignorasse minhas falhas latentes e cruéis; eis aqui um paradoxo tão grave em si, mas que me pareceu tão leve ao vivenciá-lo. Para compensar, gostaria de oferecer algo e sei que não devo. Só tenho palavras para presentear. Palavras – outrora tão ricas – em nossos tempos significam nada mais que a evacuação do cérebro. O total eco do raciocínio, a falta de produtividade criativa da mente. Só isso, versos pobres e rimas fáceis. Merecíamos mais que isso: tu, eu e todos nós.
Merecíamos a verdade, mas a verdade trás conseqüências que muitos de nós não merecem. Merecíamos a mentira, pois todos os dias construímos nossa própria dose de ilusão, como uma droga pérfida e necessária ao organismo. Como o sangue. Sangue que não mais é orgânico. Sangue meticulosamente fabricado para levar insegurança e apatia a cada célula plástica de nossos corpos rotos. Sangues puros, reluzentemente limpos, escondendo nossas humanidades naturais. Somos deuses e somos monstros, somos anjos tortos e demônios de luz, escrevemos errado em linhas certas – criaturas perfeitas que se destroem ao se vender por pouco. Caia na real. É natural criaturas tão fantásticas possuírem segredos. Somos todos tão complexos; na maioria das vezes não entendo porque nos subestimamos por coisas tão fáceis.
Dentro do mundo há outros seis bilhões de pequenos Universos Pessoais. Os nossos se cruzaram em uma tarde suave de verão quando ainda éramos crianças e ali permanecerão entrelaçados até o dia em que se desvirtuarão. Depois de lágrimas vertidas entre abraços. Depois de segredos revelados com o olhar. Pois depois de separar-nos, não mais importarão os segredos sujos.
Estes serão só espectros do que um dia foi real.

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