terça-feira, 29 de junho de 2010

Sorte


E essa felicidade gosmenta que não se desgruda do conformado com o fracasso.
Anda me rondando nos últimos dias e hoje se confirmou de vez.
Inicialmente pude sentir a queda quando enxerguei todos os meus segredos estampados em um rosto – e não era o meu. Todas as minhas falhas latentes que guardei nos silêncios meus de todos os dias juntas ali, para qualquer um descobrir.
Eram meia dúzia de palavras sujas, um gosto peculiar e um interesse esquisito, agora claros como vidro.
Observar a situação foi a dose de realidade bruta que eu tanto buscara. E então, da tempestade inicial, fez-se a calmaria, renovada por um gosto mais sutil e mais terno, fácil e apaziguador. Eu estava feliz.
Pude ver a dança mais uma vez antes que fosse tarde demais. Fui aceita por algo que não merecia. Findei uma saudade. Mudaram-se as cores de um cabelo. Havia uma nova música. Eu subi em um pódio. Sou o pior dos melhores. Eu sorri, e não por desgosto.
Possuo uma nova definição de fortuna e nela, há uma observação que inclui: dois ou três parágrafos rabiscados em um canto de folha, um olhar complacente, cabelos ruivos e uma gota de suor.

sábado, 26 de junho de 2010

Constatação


Deus é o movimento flutuante dos bailarinos, sua graça e leveza do andar.
Deus é o pé cansado e calejado dos dançarinos, é o seu passo treinado minuciosamente.
Deus é a estrutura dos traços dos arquitetos e suas construções musicais e retumbantes.
Deus é a voz e o timbre dos cantores, é o ressoar dos seus sons internos.
Deus é a interpretação do ator, sua voz, seu suor e sua postura.
Deus é o par de olhos do diretor por trás das câmeras, sua visão única e genial.
Deus é a luz dos fotógrafos, seu ângulo – é o melhor e o pior também.
Deus é o verso do poeta, suas rimas e suas estrofes.
Deus é a magia do escritor, suas ironias e seu clamor.
Deus é o traço do desenhista – seja torto ou reto.
Deus é a mão decidida do escultor, seus moldes e formas.
Deus é a cor brotando das mãos do pintor, seus pincéis e seus contornos formados.
Deus é a grafia, é a geografia, é o traço!
Deus é o instrumento, brotando musicalmente das mãos humanas em forma de som.
Deus é o desenho, a cor, a voz, o timbre, a mente, o texto, a poesia, a música, a mão e o pé, a imagem e o lugar.
Deus é a arte.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Mudo Aceno


Eu gostaria de saber por que eu sempre sou a pessoa que olha para trás depois de se despedir. É algum tipo de instinto.
Mesmo quando não me despeço, olho para trás. Passei a deixar de evitar o “adeus” e o único que gostaria de ter dado verdadeiramente escapou-me entre os dedos fechados,
entre as palavras não ditas,
entre um braço direito meio levantado que não conseguiu completar o seu aceno.
Dois bicudos não se beijam, dois mudos não se falam e nunca dizem até logo. Não sei se considero isso parte de uma indiferença ou de uma clara timidez.
Às vezes busco esforços sobre-humanos para trocar meia dúzia de palavras tolas com pessoas significativas. Parece mais fácil quando não se há intenção alguma, pretensão qualquer, sentimento nenhum.
Andei percebendo que conviver com certas pessoas é como ouvir repetidamente a mesma música e, engraçado: não me cansei de algumas. Consegui tranquilamente fazer uma pausa em todas estas, menos uma – pelo visto, esta os meus ouvidos não querem parar de escutar.

domingo, 20 de junho de 2010

Embriagados


Um bêbado põe-se à esquina
Em seu andar trôpego
Perseguindo, falho, sua sina
Para a força falta-lhe fôlego

A languidez rege seus passos
Como um maestro de tolices
Seu corpo produz tortos traços
Esbanjando trêmula esquisitice

Em pleno domingo modorrento
Embriagados caminham em desequilíbrio
Carregados e guiados pela leveza do vento
Passeiam num movimento febril

Corpos reservados à beira de calçadas
Figuras soltas no meio-fio de todos os homens
Indiferentes à rotina dos burocratas
Clamando piedade com tristes améns

Cornetas retumbantes perturbam seus ouvidos
Com seus sons propagados, lhes irritam.
Cores rosadas em teus rostos temidos
Fazem-lhes palhaços, enlouquecem e gritam

A garrafa em punho como uma espada
Como guerreiros de ferrenha batalha
Fazem-se de fortes, caem pela estrada
Buscam algum sentido ou algo que o valha?

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Um Novo Tom

Eu vejo rostos similares em uma distância absurda. Em meio a uma pequena multidão, enxergo claramente os traços apesar de minha latente miopia. Não vou te descrever, pois se tornaria repetitivo. E tudo o que não combina com essa imagem é a repetição: nada é repetido ali, com exceção da euforia de todos os presentes.
Éramos todos um grande quadro abstrato de muitos tons enquanto eu tinha acabado de resguardar um choro e disfarçar um ódio forçado. Esmiucei tal raiva por horas seguidas, mas todo o rancor foi posto abaixo quando qualquer coisa de nova apareceu-me em outra pessoa e desviou todas as minhas atenções. Redirecionei-me toda e, por fim, o ódio se dissipara. Só restou-me encanto, que irei remoer e esmiuçar durante o tempo de distância.
Foi um grandioso momento de até logo que significou mais do que isso – o que já era esperado da minha parte. Posso ver todos aqueles tons de cores que éramos arrastando com leveza nossos pés pelo chão. Tudo tão pacífico naqueles momentos preciosamente calculados: restam memórias que espero multiplicar. Agora terei de remoer a angústia da descoberta não concretizada, uma promessa do que poderia vir a ser qualquer coisa de interessante. Há certo ar cruel a respeito disso, em conhecer uma bela oportunidade e vê-la adiar-se por motivos externos a sua própria capacidade de controlar o que te acontece. Pergunto-me por que descubro tão tarde tanta afinidade com gente de tanta graça, graça que às vezes – confesso! – me falta.
Posso ver-me remoendo saudades e relembrando a força de certos olhos escuros e amendoados. Atrasos, anos de passos dados para trás... quero correr para alcançar esse tom, essa qualquer coisa de especial que enxergo de longe e enfim, reecontrei.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Três



Quero dividir-me em três.
Tenho estes três desejos, três vontades contraditórias e tão típicas de mim. Não posso conviver muito tempo com sentimentos tão distintos em um só interior. Aliás, devo corrigir-me: o sentimento é apenas um, porém varia de intensidade e direciona-se em sentidos diferentes. Possui três deles.
Um desses sentidos sonha alto e voa longe para uma grande metrópole de um grande país. Em tal cidade está um belo par de olhos verdes que gostaria que fossem meus. Há uns cabelos escuros, pretos e confusos que recortam uma pele branca que me remete à neve européia. O rosto pálido guarda sorrisos tímidos e o corpo magro possui mãos nervosas, inquietas, meigas e unhas pintadas de preto.
A segunda direção deste sentimento é fácil como o ato de respirar. Não possui nem de perto os mesmos impedimentos do anterior: vai pra perto, é correspondido e “conservadoramente” correto. Possui ar leve de um primeiro beijo apaixonado, de carinhos de amantes recém-descobertos – é quase saudável.
A terceira parte deste mesmo sentimento machuca. Machuca, pois é a mais intensa, a mais próxima e também, a mais impossível. Recebo pequenos vestígios de que poderia ser correspondida. Só. Versos de músicas, mãos entrelaçadas com dedos magros carinhosamente e olhares significativos. Parece muito, mas não! Queremos sempre mais! Queremos o sentimento correspondido cuspido na cara, óbvio, claro e verídico para sermos felizes. Não nos contentamos com insinuações. E ainda forço-me a soltar um sorriso quando o assunto transforma-se em juntar-me com outra pessoa ou juntar-te com outro alguém. Será mesmo tão difícil decifrar-me? Ou é tudo apenas fingimento, apenas uma indiferença aparente quando na verdade passa madrugadas pensando nas possibilidades do que poderíamos ser?
Já não sei para onde devo me guiar. São caminhos tão distintos e quanto mais intensos, mais sei que darão errado.
Posso enxergar cores no escuro, mas não descubro o real objetivo de alguns pares de olhos. Antes pudesse enxergar além deles, ler pensamentos, me atirar para dentro do que quer que escondam estes olhos e infiltrar-me sem medo algum, indeterminadamente mergulhada em sua imensidão.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O Guarda Noturno



A vida é só um fardo pra se carregar. As pessoas que você conhece durante esse período ora ajudam a carregá-lo, fazendo-o mais leve, ora deixam-no ainda mais pesado.
Temos de lidar com o risco de essa jornada chegar ao fim a qualquer momento,seja logo no início,seja excedendo o tempo certo.
Eu gostaria de poder dizer que este fardo é tão leve que mal o sentimos, mas não é. As pessoas vão embora e ás vezes elas voltam. Outras se vão e nem dizem adeus. É sempre triste observar aquele fechar de olhos do mundo como conhecemos. E nada mais preenche o vácuo deixado ali, somente a dor ocupa aquele lugar vazio onde outrora repousava presença tão ilustre.
Como dói.
Meu único e maior consolo é o do seu sorriso. Era tão aberto e tão sincero quando me deixou. Estou certa de que ao menos partiu feliz. Estou certa também de que não foi o último. E, que clichês e pieguices ecoem agora – estou certa de que aquele sorriso não foi teu último. Estou certa de que, quando tiveres o seu vislumbre final eterno e não-corpóreo,sorrirás. E serás feliz por, enfim, viver eternamente.
O grande perturbado estava mesmo certo. É melhor arder numa só labareda do que enferrujar pouco a pouco.