sábado, 24 de setembro de 2011

"A poem is a petition, a petition is a poem..."


Pra quê ideologia sem amor
Se todo o meu torpor agora é dor
E a minha verdade agora é parte
De uma guerra que eu perdi
Se todo amor que eu nunca dei
Agora é dado por outro alguém
Nesta terra de ninguém
Só nos resta o que sobrou

(Escrito em outubro de 2009).

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Sobre Uma Flor


Hoje é dia 23 de setembro.
Hoje é dia 23 de setembro e eu olhei pela porta aberta da sala as palmeiras, de longe iluminadas, como um viciado em heroína olha para as árvores que rodeiam a sua clínica de reabilitação. E de fato acabei parando em uma.
Hoje o meu único sentimento por alguém que um dia eu guardei uma dose de “amor” – eca, como pude? é tão difícil dizer essa palavra agora - é nojo. É a minha bile se debatendo no fundo do meu estômago, quase chegando a minha garganta com o desejo de cuspir toda a sopa mal-feita que se come em uma clínica. É uma feroz vontade de cortar todo o corpo em pequenos e perfeitamente alinhados pedaços de carne de 1 cm. Em cubinhos, como os temperos de cozinha. Como um perfeito e asseado serial killer.
E é por esse tipo de desejo que eu não me surpreendo por estar aqui hoje.
Hoje é dia 23 de setembro e eu matei uma formiga para aliviá-la do sofrimento de estar caminhando machucada.
Hoje uma flor brotou no deserto e eu também a matei.
Hoje, e mais especificamente agora, alguém perto do lugar onde estou – a minha clínica de reabilitação imaginária – está ouvindo I Miss You e penso que isso é absurdamente irônico.
Hoje eu arranquei do meu dedo uma lembrança (que tem formato de dois corações grudados - e essa imagem é tão absurdamente sádica, Deus! – aliás Deus, se é que você existe mesmo, desculpe-me por usar seu nome em vão, mas sou assim mesmo).
Hoje eu quis dizer to mommy (sim, “to mommy” assim como um bebê no escuro clamando por leite, e pouco me importa o que vão pensar) que esteve certa na maioria das vezes e que eu sou terrivelmente estúpida (afinal, isso aqui não é mesmo uma clínica de reabilitação? pessoas emocionalmente inteligentes não vão à reabilitação).
Hoje, como nunca, eu entendi Holden Caufield: “As pessoas sempre pensam que algo é inteiramente verdade. As pessoas nunca notam nada. As pessoas nunca acreditam em você. As pessoas sempre aplaudem as coisas erradas. As pessoas nunca dão as suas mensagens para ninguém.”
Hoje eu expliquei coisas pensando em como eu tinha arrancado aquela flor do deserto; tentei fazer poemas, mas estava seca porque matei a flor; verti um bom tanto de lágrimas em uma blusa azul porque eu matei aquela única flor no deserto; respondi questões inúteis com respostas inúteis para receber uma avaliação inútil sem prestar atenção no que escrevia porque só pensava na flor; eu não paro de pensar que eu deveria ter o mesmo destino que ela para que a justiça fosse feita; eu a matei para só depois descobrir que a flor no meio do deserto – quase um oásis de ternura em meio àqueles montes de cactos secos e mentirosos - era a única flor que havia conseguido brotar em todos os desertos do mundo e que ela havia decidido brotar justo ali, no meu deserto. Eu a matara e o deserto é agora apenas areia – fria, porque é madrugada – e eu – presa aqui, nessa clínica de reabilitação para gente viciada em errar – desejando que aquela flor volte a brotar, assim, em segredo, como fora desde o começo, se recompondo meio molenga, se firmando outra vez, porque – ai, isso dói mesmo, isso dói muito, eu deveria ter dito o quanto eu amava aquela flor logo quando a encontrei há um tempo e a achei esplêndida, nada disso teria acontecido, absolutamente nada; como o Pequeno Príncipe, eu colocaria uma redoma para que a flor não sentisse frio nem fosse atacada por animais, eu cuidaria dela como se ela também me amasse e nós poderíamos ter sido – como é mesmo a palavra? ah, sim – felizes.
Hoje é 23 de setembro e eu descreio tanto nessa palavra - “felizes” – que acredito que preciso soletrá-la em voz alta para que eu possa lembrar o seu significado. Ah, sim.
F – E – L – I – Z – E – S.
É assim, não é?
É, talvez seja assim.
Eu não sei porque eu matei a flor.
E agora eu fico com esse gosto na boca, de nojo do outro, de nojo de mim, de saudades, de tristeza, de bile, de sopa mal-feita, de palmeira iluminada ao longe, de clínica, de coisa dolorida dolorida dolorida, de arrependimento, um gosto de vontade imensa imensa imensa de ressuscitar a flor e cuidar dela dessa vez. Um gosto assim, de flor. Branca. Que brotou no deserto.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O Último Oceano


As pessoas estão falando em “antes” e “agora”. Eu mesma falo em “antes” (it hurts a little or maybe a lot) e “agora”. O antes era assim: tinha gente, e essa gente encantava quando abria a boca para cantar e dizer; tinha gente, e gente que se amava muito ali no meio, amor mesmo, desses que doem e formam casais; tinha gente, e essa gente sentia-se muito honrada; tinha gente, e eles sorriam (ai, como eles costumavam sorrir para cantar, mesmo com as cordas vocais meios gastas – ai, como eles sorriam).
O que me entristece no antes não é exatamente o que poderia ter sido e não foi. O que me entristece no antes são todas as coisas que poderiam ter sido e foram. As escadas atrás das luzes, as coisas sussurradas (bem ali atrás, onde ninguém vê), quando o suor vibrava, quando amar era êxtase e não lágrimas que uma ou duas garotas escondem no banheiro e enxugam no casaco vermelho, quando você costumava gostar de mim, quando todos nós costumávamos gostar (gostar mesmo, entende? aquela sensação de que está tudo se abrindo, exposto e dane-se – isso não é nenhum problema), quando era tudo tão nítido, quando era tudo tão claro (sabe, nós éramos, apesar de tudo, felizes e nem sabíamos).
O agora somos nós remando contra a maré. O saldo é esse: dois corações partidos, duas partes inteiras partindo, um bando de palavras ácidas escapando por aqui ou por ali (mas não vamos falar de coisas ácidas, porque as pessoas ácidas andam me pesando demais nessa memória e nesse íntimo cheio de cacos), uma ou duas flores brotando bem ali no canto (ninguém sabe, ninguém viu), estagnação, estagnação, estagnação (me desculpem, isso foi uma lágrima que escorreu), e essa vontade insana – um anseio quase maníaco – por um pouquinho de graça, por uma pontinha escassa de amor (dessa vez por si próprio, só porque amar a si mesmo é mesmo muito mais fácil), por um pequeno oásis onde ainda não se fez deserto, mas também não se é mais oceano.
Perdoem-me por ser um tanto quanto comum agora (e sempre): que o “amanhã” nos deixe ser capaz de sorrir. Tal qual o “antes”, embora diferente. Sempre diferente.