sábado, 9 de junho de 2012

Prólogo



A frieza das flores de inverno congela as folhas do outono e também o perfume no meu travesseiro. Eu nem sei mais o que é sol. Mas também não há problema algum. Essa não é uma história de reclamações.
Eu pensei que fosse deixar pra lá, mas então eu inicio umas dessas histórias cuja trilha sonora é Jeff Buckley. De antemão: 'essa é uma história cheia de burrice e de estupidez' - porque eu próprio a escrevi e cada burrice contida nela foi planejada e desejada por mim. É como não cortar as unhas e com elas arranhar a própria face, as costas e as pernas. É a minha estupidez que me completa.
Eu desejava um conto simples, prático. Mas estive preso demais aos quadros de Magritte. Eu deveria ter observado coisas mais simples, deveria não ter desejado nada nem ninguém, mas gastei tempo demais preso em hipérboles bem construídas, metáforas indecifráveis e versos decassílabos - que eu enxerguei, no rosto e na voz das outras pessoas.
Foram dezenas de estrofes para um ombro e cinco parágrafos para as costas de uma mão. O melhor texto para a cor de um cabelo e doze contos sobre o tom de uma voz - mas há quem diga, os autores não tem coração. A maioria deles o vendeu na primeira linha do seu primeiro conto ou poema: está lá o coração, claro como o papel e rabiscado pela tinta da língua que cria.
Me desculpem, mas eu não estou arrependido por escrever esta história. Eu apenas sinto muito pelo meu silêncio.
Me desculpem, mas eu não acho que seja um erro.
A minha dúvida é a minha certeza. Vinte e sete formas de escolher uma vida e eu escolhi vinte e cinco por cento de cada uma, degluti e fiz dela a minha. Torta, esquisita, contida, ambígua, nostálgico-futurista, oscilante, cômica, aparvalhada, intransponível, sutil, vermelha, como bochechas coradas. A minha certeza é a minha queda. E eu caio em um imenso chão de nuvens de algodão que acabarão por me sugar - sim, toda aquela doçura vai acabar me absorvendo de vez, até que eu seja transparente e eterno.
Transparente e eterno. Mas nada de misticismos. Essa não é uma história sobre fé.
Eu tento desvendar a minha própria cabeça. Onde está a minha cabeça? Talvez eu já esteja preso nas nuvens de algodão. Pelo rosto. Levemente sufocado. Mas vivo. Com vinte e cinco por cento de cada uma das vinte e sete maneiras que existem de se escolher uma vida.
Essa é uma história sobre independência e covardia. É comum, exceto pelo fato de que ela, como as nuvens, nunca acaba de vez.

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