quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Cuidado Ao Abraçar Poetas


Era assim: se alguém queimava o almoço na cozinha, era o primeiro a pegar a parte preta: não cria merecer o melhor.  Levantava todas as vezes para dar lugar também aos mais novos, pois nem sentar merecia. Como um porto conveniente para barcos solitários, nunca fechado, os braços sempre abertos, quase escancarados. Levaram-lhe, ao longo da vida, duas ou dez notas de cem entre abraços – distraído, um romântico não enxerga nada além do momento. Nú, único: o momento. Um poeta, quando abraçado, ganha dez graus em miopia de ilusão.
Foi assim: doou tanto sangue que acabou por ficar sem. Certa vez, deu pra se alimentar do benmaldito amor. Foi maldito. Foi o braço direito mais direito do bendito e acabou por perder o dito cujo (o braço). Foram-se os dedos, ficaram os anéis. Transformou estes em brincos, que logo lhe foram roubados também, entre um beijo e um estalido. Mais um agosto e não lhe sobrava nem o corpo. Mais um setembro e foi-se a alma.
Doou-se tanto, sobrou-lhe nada.

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