quarta-feira, 9 de março de 2011
Uma Autossabotagem
Tateio cegamente.
Tateio com os olhos vendados e as mãos livres os meus desejos obscuros. Caso não tenha percebido, vou logo dizendo lúcida e sã que o que me cega nasceu comigo como num peculiar defeito de fabricação. Olha só, ando com um medo desesperado dessa minha cegueira. Ela, que me faz mentir para mim mesma e que me assassina toda a beleza. Assim, fico matando todos esses processos mentais e emocionais que vão acontecendo dentro de mim, vou escondendo e maquiando todos esses verbos e substantivos que foram nascendo no meu espaço mais intenso quando estava distraída e à espera de nada. E olha que são verbos e substantivos muito bonitos esses que estão nascendo aqui, dos quais não deveria me envergonhar. Lembram-me até uns versos de Vinicius.
Mas eu continuo me escondendo e você não deveria saber disso. Continuo dizendo que tenho coisas a fazer, que vou chegar tarde, que estou ocupada, que não me deixam, que não me querem, que não posso não posso não posso nunca só porque tenho essa covardia cega tatuada nas córneas e também nas retinas, nos ossos e na mente. Um acovardamento em enxergar as coisas lá fora com um gozo de garoto e um deleite de quem ama. Que faço dessa vontade insana, meu caro cúmplice? Aonde é que devo escondê-la agora que minha cegueira me esclarece demais esses meus processos internos que vão brotando? Espasmos de medo e vontade, espasmos de loucura e fracasso, espasmos de vitória e balanço – resultados de uma autossabotagem.
Mas devo dizer que há qualquer coisa de prazerosa nisso de não pensar com os olhos e apenas ir sentindo as coisas todas sem saber de quê se tratam, de ir tateando aquilo de que se tinha medo de viver, de saber e de tomar forma. Aguardando pacientemente que a coisa pelo qual se busca no escuro esteja parada ali por tempo suficiente para que você tenha tempo para, de fato, conhecê-la em detalhes e minúcias. Fico aqui pedindo desculpas somadas a alguns por favores a mim mesma para que (por-favor, várias vezes) eu não tenha mais medo e desculpe (desculpe mesmo muitas vezes) por ser tão estúpida e esconder-me toda no meio da tralha desimportante da minha própria demência. Talvez eu só tenha todo esse medo porque na verdade não sei como agir com essas coisas que nascem vindas não-sei-de-onde e que vem para não-sei-o-quê. “Como gostar limpo de você no meio desse doente podre louco?” Eu também não sei, também não sei disso e nem de nada porque os meus olhos cegos não me ajudam a saber.
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