quarta-feira, 7 de julho de 2010

Retrato de um Solitário


A noite esconde em sua escuridão infinita o gosto do segredo, o rosto pálido, acordes de guitarra. Madrugadas soltas e loucas do corpo fresco de um jovem fugindo do tédio como foge da cruz e da solenidade.
Gosta dela, deleita-se em seu mel: um véu de escuridão apaziguadora de inquietações, escondendo marcas de erros cometidos.
Cabem ao alvorecer os ares de ressaca, os pés calejados, as roupas amassadas e os espasmos corporais. As pequenas frases que recebe em forma de bilhetes em seus dias mortos tiram-no da solidão. E só.
Não sabe ao certo o rumo que segue, embriagado demais para saber seu nome, triste o bastante para não se importar com isso. As luzes da cidade são como um farol. Como um órgão pulsante e suas inúmeras células – apagam e acendem, morrem e renascem. Aliás, não nascera para sua década. Como um estranho em uma terra estranha, criando para si comparações com um passado muitas vezes inexistente, comparações com outro lugar que ainda não conhecera.
Sentia-se ainda semi-humano. No útero. Toda e qualquer imagem e impressão ao seu respeito era pré-concebida, mal-feita, mera observação desimportante. Ocupava o tempo com escritos de gaveta, fotos da luminosa cidade e vídeos mudos de pessoas passantes na rua urbana. Era o escritor de pequenos contos anônimos, fotógrafo do que não importava a ninguém e diretor de um filme em preto e branco. Reflete, portanto, o conto
o quadro
a foto
o filme de sua própria vida.
Pequena.
Anônima.
Desimportante.
Em preto e branco.

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