quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Sala de Estar


O açúcar que faz as formigas se espalharem sobre a toalha da mesa. A voz grave que eu não sei propagar sobre o grande espaço. A poeira erguida sob os pés caminhando na madeira. Essas coisas todas dos cantos do mundo. A tristeza sua que eu não sei curar. A felicidade minha que só sei alentar e que seja!, pois o resto é resto e por isso, é tudo. Os meus hábitos de não dar finalidade às coisas, de não saber detalhar, de não saber planejar misturados aos ruídos da sala de estar. Eis o retrato de uma tarde. As combinações de um futuro próximo em uma conversa ao telefone: “eu não tenho dias livres, eu não tenho tempo, eu tenho saudades, eu tenho um sabor salgado...”.
Procuro tempo e acho gasto. Tenho erros para corrigir. Eu tenho palavras para decorar. E espero que parem de roubar as minhas letras, esperaria sentada em um amontoado de folhas secas se o outono não estivesse distante, assim como esperaria com minhas pernas molhadas e minhas roupas encharcadas em um tempo de chuva.
Eu roubei paz com minhas frases e não sei devolver. Machuquei minha própria garganta na tentativa de restaurá-la, tentando gritar (não sei fazer isso direito), tentando explicar. As cordas vocais tentaram dizer chega, mas eu as fiz sangrar.
E mais um som se mistura aos sons da sala de estar porque algum vizinho de bom gosto escuta uma bela música de algum compositor boêmio de alguma cidade litorânea do país desta que vos escreve, em alto e intenso volume, regando-me os ouvidos e essa coisa que chamam de alma, essa coisa que chamam de humor, com essa coisa que chamo de paz. Esta sala de estar iluminada me lembra outra sala – essa outra escura, quente e alta – na qual um dia fui convidada a entrar. Não havia música, só duas vozes. Não havia amor nenhum, só um carinho imenso, uma coisa meio “ah, se você fosse (segue-se uma pequena lista de quatro itens de características específicas) assim e se eu não amasse outrem, nós poderíamos...”.
Nós não poderíamos nada naquele tempo. E eu não posso nada agora, sentada em minha sala de estar na minha última meia hora livre do dia, deleitando-me nessa canção suave, nessa poeira de recordação que a janela deixa entrar. Eu não posso nada porque também sou poeira e também sou canção e também sou a própria sala de estar e a sua entrega e a sua essência e o seu minguar.

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