sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Assim, Como Quem Não Quer Nada


Acordei hoje com uma liberdade impura. Dessas que não se costumam falar na frente de estranhos para que não pensem que você é um tipo daqueles. Sabe aquela queimação estranha na garganta que costuma vir quando se come muito chocolate? Exatamente essa. Esse gosto repentino por dizer o que se pensa no exato momento em que o faz ou aquilo que você queria há tempos e ficou ardendo em um canto das suas entranhas e que você finalmente conseguiu abocanhar uma pequena parcela. Ou uma parcela enorme.
Estava eu sentada dentro da lotação, perdida completamente nesses devaneios secretos (sobre algo que envolvia peles e lábios), quando alguém puxa uma palavra comigo para elogiar coisas que eu escrevi. Meu devaneio torna-se quase vergonhoso, como se estivesse gravado nas minhas bochechas – agora coradas -, à bela vista de qualquer um. Esse alguém me julgou “brilhante” e senti o último trecho ainda pálido do meu rosto tornar-se tão vermelho de constrangimento quanto meu cabelo. E eu aprecio muito mesmo quando alguém me diz uma coisa dessas porque enfim pareço útil quando escrevo e alguém se apega aquilo, mas eu estava tão perdida em outro planeta, em outro perdido, em outro lugar, que fui de repente sugada para a terra com uma pergunta feita por essa pessoa ao meu lado na lotação e novamente alçada ao espaço quando recebi o elogio.
“Se você soubesse das liberdades que eu ousei tomar nos últimos tempos.” – pensei. – “Ou só a liberdade do dia de hoje.”
Uma liberdade de garganta, de risos e de seios, de sair por aí espalhando verdades (e também outras coisas muito mais secretas e proibidas) assim como quem não quer nada. Deixo que saibam que ouçam que vejam, eu não me importo que me exclamem censuras porque hoje – ah hoje! - eu não sei o que são censuras nem o que são segredos hoje eu estou rindo de repreensões eu desconheço pudores eu posso falar eu posso tocar eu posso eu posso eu posso ser eu – hoje eu posso ser eu – eu com carne palavras sangue saliva suor seios pernas mãos e cabelos – hoje acordei eu mesma. Hoje eu não sei o que é compostura estou andando descalça e também nua, hoje eu não sei quem eu era eu não sei o que é modéstia hoje eu esqueci de me calar e deixei a lucidez dentro do quarto embaixo da cama junto com as outras chatices de mim. Se há uma coisa que hoje não sou é lúcida (deve ser porque ontem mesmo me gabei de lucidez e o curso das coisas resolveu me pregar uma peça) porque é mesmo muito bom ser inapropriado é mesmo muito bom desistir da decência é mesmo muito bom ser quem se é, ainda que ninguém entenda ainda que ninguém perceba ainda que você nem sempre consiga ser, no mais imaculado (e desvirtuado) sentido da palavra. Palavra, palavra, saborosa palavra – ser, ser, ser: não me canso de você. Hoje eu não me canso de nada.

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