terça-feira, 7 de setembro de 2010

Delicadeza Insone


A aurora esmiuçava a escuridão noturna com seus braços finos de dama reluzente, desvairando ao céu uma claridade esparsa. Raro bem-estar em meio de semana traziam o deleite da manhã clara e o desejo de anunciar ao mundo a simplicidade exultante que não a permitiram dormir.
Durante a noite, a menina encontrara em sua cabeça palavras doces para disfarçar suas feridas abertas e o sangue seco em suas mãos. O próprio ar tornou-se mais fresco entre os lençóis, os elementos tomaram posse das cores e pôde respirar com convicção. Danou-se a química, a álgebra, a física e as ciências exatas, contrárias a tudo o que lhe cabia em satisfação. Traduzia indiretas. Remoia pensamentos.
“Gaste comigo as pontas dos teus dedos, os murmúrios da saliva, a fraqueza das mãos e a sujeira dos pés.” – repetia a si mesma, solitária, como quem diz preces no escuro do quarto.
Remoia a certeza de que quando não mais o visse, sairia para procurá-lo nas ruas vagas. Revirou-se a noite inteira, acesa durante a madrugada afora na cama outrora reconfortante. A mãe perguntara-lhe se o incômodo eram os sons da TV.
Antes fosse esse o incômodo.
Antes bastasse desligar os sons da TV.
Antes fosse possível desligar o coração (a verdadeira pedra no sapato) e continuar respirando
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