quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sussurro


Estive em um redemoinho de farpas. No centro de uma praça pública ardendo em brasas, com mil pares de olhos vermelhos vidrados em minha direção.
Podia enxergar as línguas fervilhantes, ácidas, espirrando todos os meus fantasmas ao meu redor. Eu sabia que todos ali possuíam suas próprias mentiras deslavadas para jogar aos meus pés, todos fingindo saber os detalhes daquilo que nunca aconteceu.
O ácido saído das suas bocas espirrava em minha pele, corroendo meus membros e minha face com as palavras ferrenhas, queimando-me em brasa - morrendo aos poucos. Nem mesmo a chuva fina apagava as faíscas de fogo saltando de suas bocas cheias de odiosidade. Tudo o que a leve garoa produzia eram as marcas das pegadas feitas pelos pés da multidão feroz – pés pequenos, pés grandes, descalços ou calçados em mais fino material.
Eu não tinha medo, mas poderia rir de tanto nervoso, pois me inquietava o grito preso na garganta. Sabia que era o fim: verdades escondidas nunca vencem as mentiras que os outros decidem comprar pra si mesmos.
Esperei os segundos passarem lentamente, arrastando-se contra a dor do desgaste. No entanto, em meio à agonia das acusações, dos olhos vermelhos e do ácido fervilhante, ouvi um sussurro.
Sutil, quase imperceptível em meio à massa feroz e violenta. Não sei quem o disse e recordo-me o quão tolas eram as suas palavras. Lembro-me da sensação esquisitamente boa que me invadiu, como se nada daquilo fosse real – um simples pesadelo, em que todos eram o meu próprio inferno particular. E num segundo estúpido, por um sussurro tolo, de uma voz anônima - a única no lugar com palavras delicadas e doces - eu havia acordado e estava no céu.

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