quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Afetuosamente,


A cidade cheira à chuva. O meu próprio corpo e a epiderme exposta que o reveste cheiram à chuva. E o meu corpo é a enfermidade e o espasmo, o cansaço e a calma. Um par de mãos me sufoca o pescoço sobre o chão de tecidos, as mãos pertencentes ao rosto de olhos vermelhos. As mãos de forças inconscientes - as mesmas que outrora acariciaram o teto almofadado em um gesto despercebidamente delicado.
Há certo tempo venho sendo a odiada destes olhos vermelhos e a querida dos olhos obscuros. Ambos me sufocam em seus desejos incessantes – por sangue ou por abraços. Não sei para quem corro: ao abismo ou às flores? Ao medo ou ao agrado? Às unhas ferozes por carne ou às unhas ferozes por amor? O meu corpo ensopado escorre para acolá desses pares de olhos e não me dá tempo de escolha. Resta-me outro caminho.
O caminho em que meu carinho imenso é todo direcionado aos olhos pálidos, é incessante como a garoa – que nunca morre, apenas sossega, para logo depois retornar ao seu círculo vicioso. Os lábios pertencentes a estes olhos descorados costumavam dizer que “a dor é todo ponto inatingível e incompreensível daquilo que um dia quisemos ter” sem saber que a própria cor destes olhos era o meu ponto inatingível neste pequeno-vasto mundo. O mundo em que meu afeto é líquido, é chuva que cai, e esta cidade... esta cidade é o dilúvio que eu criei para pôr cor nos teus olhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário