sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Avesso


O tempo não permite que eu passe toda a minha noite conversando casualidades com a sua pessoa. O dia que está para amanhecer nas próximas cinco horas me impede. Em suas palavras não enxergo nem um reflexo das minhas porque cada detalhe é tão particular e único que nem mesmo posso estender-me até eles.
Você agradece enquanto eu só faço rogar.
Você samba enquanto eu escrevo.
Você beija enquanto eu transpiro.
Você canta enquanto eu gaguejo.
Você não me copia, não se preocupa, alarde não faz, nunca sentou para ouvir e nunca sofreu para amar, mas só porque se apaixona e desapaixona com a facilidade de um estalar de dedos. Seus olhos não imitam, o seu corpo não se repete, é tão arranjado e exclusivamente seu. Você não sabe o que é o resto, a sobra. Você engole o prato inteiro e não deixa resíduos e ainda lambe os beiços e os dedos para ter certeza de que não há um grão de fora da sua garganta. Você tem um andar bonito e elegante enquanto eu desengonçada e tortamente me movo. Jamais sentiu aflição alguma, pois essa é, na verdade, a única vez que veio a sentir alguma coisa que não fosse a alienação costumeira.
Como em uma carta de alguém distante te desejo a fantasia dos dias claros e o triste otimismo do pobre cidadão. Esperando que você não padeça enquanto parto furtando toda a sua elegância, dando pouca importância às tuas dores, aos teus casos mal resolvidos, aos teus versos mal redigidos. Vou-me embora dançando, correndo, vibrando; cantando um tom desafinado, bebendo toda a água do copo, engolindo toda a comida do prato.

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