domingo, 19 de dezembro de 2010

Cru


O ambiente parecia observar uma gota de suor escorrer entre minhas pálpebras, finas o suficiente para deixar visíveis as pequenas veias ao redor dos olhos. Eu fingia que o sofá assistia à TV da sala, enquanto – como uma criança perdida em outra dimensão – observava o reflexo de uma cadeira no chão absurdamente limpo. Entretida. O chão estupendamente higiênico, refletindo a imagem daquela cadeira preta e tosca, me fazia sentir imunda, deitada sobre ele com a nuca transpirando no calor importuno. Eu costumava odiar o calor tanto quanto o odeio agora e o piso era o único lugar suficientemente frio para me fazer suportá-lo. Lavado e cristalino. Mais alinhado do que eu, o próprio chão! Dane-se – eu pensava. Era domingo. E não há nada para se fazer além de afundar-se (em filmes ou comida, talvez em piscinas ou em tédio, qualquer coisa que enlace ao seu humor). De qualquer forma, eu sabia que não adiantava lutar contra o mal da pré-segunda: tudo é cru aos domingos.
Neste dia, o ar é falsamente leve e o próprio sol, ainda que tolamente brilhante, é preguiçoso. Tenho certeza: se o sol fosse boi ou porco, seria servido cru (ou semi), sangrando, rechonchudo e gorduroso. Como as carnes que essa gente costuma assar aos domingos. Essa carne lenta e vermelha, ardente.
Acabei com muitas formigas aquela tarde – aqueles seres minúsculos e pretos, que pareciam ter a incrível e irritante habilidade de se multiplicar – para que não sujassem o chão. O meu chão minuciosamente brilhante, quase um espelho, livrando com sua frieza a minha carne das brasas. A minha pele, aquele órgão pálido e enorme, com duas feridas abertas nos pés que insistiam em não cicatrizar, mais ou menos refrescadas por um enorme e gélido pavimento de granito. Aquelas feridas vermelhas, pouco profundas, mas nem por isso menos intrigantes, repousadas no topo dos meus dois pés. Vermelho no branco. Recortadas pelo ar quente pouco denso e abafado.
A minha respiração era lenta e nem por isso calma, parecendo ela mesma gerar a sua dose de frescor momentâneo. Deitada ali, como uma carcaça, um animal abatido em vermelho, uma estrutura de ossos, sangue, pele e calor. O meu corpo estendido – a carne crua dos domingos.

Um comentário:

  1. eu acho que você deve fazer um churrasco, antes qe a carne se torne morta. é o que eu penso disso.

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