quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Sobre Pessoas


É dezembro.
É dezembro e eu gostaria de poder escrever um conto sobre olhos e bocas vermelhas, e sobre quase-beijos roubados no corredor.
Gostaria de derreter as tardes passadas na rua, nos livros, no topo de escadas em palavras que traduzissem a existência – mas não posso. Não há caos para me fazer acordar. A atmosfera é leve e tênue, exceto por essa incômoda sensação de estar sendo vigiada por um cão de guarda a todo o momento. A leveza dos dias é quase palpável e se estende das minhas mãos aos sorrisos de pessoas dançantes ao meu redor. Saldo? Um amontoado do sabor salgado de lágrimas de riso extremo escorrendo dos olhos.
Minhas bochechas ainda coram com a brisa gélida (mais uma bobagem pessoal) e me lembram das despedidas que não quero ter de fazer. Todas as pessoas certas duram pouco - nada mais que um sopro - e as erradas permanecem tempo enorme que parece vida-toda: sempre com as suas asneiras descartáveis.
Caso possuísse algum dom alquimista que me proporcionasse o derretimento do tempo e que me permitisse fundir as horas em líquido abundante, guardaria todas as horas exultantes (e as terríveis) em pequenos potes de vidro. Conservaria o tempo e beberia dele até a última gota. Escorreriam pela minha garganta, todos: a gente que me sorri e a que me ensurdece com gritos, a gente que me perturba e a que me alenta sem nem saber que o faz. Deslizariam por minhas entranhas tomadas de nostalgia e desespero velado, como se por elas eu tivesse subitamente me apaixonado. As pessoas todas, sem distinção de raça sexo idade ou gostos, guardadas nas lembranças desse tempo convertido em líquido, iriam embebedar-me a mente com suas personalidades diversas (tão opostas, tão extraordinárias, tão podres). As suas presenças se perpetuariam em minhas vísceras pegajosas e eu as cuidaria como uma mãe amando o feto em seu útero. Eu amaria todas essas pessoas, como se fossem minhas.

Um comentário:

  1. sensação curiosa essa de sentir que outro faz parte de você, tornando-se logo "seu" mesmo sabendo que um é um.

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