domingo, 24 de outubro de 2010

Contaram-me:


Só os poetas fazem do amor, pausa e da dor, combustível. Só os poetas sabem que todas as ruas abarrotadas de gente são tristes, que todos os ônibus do mundo são tristes, e os postos de beira de estrada são tristes, e os vãos entre as poltronas: tristes.
Os poetas têm certeza, porém, que só as palavras são felizes, e os atores no palco é que são felizes, e os sabores postos nos lábios são felizes, tudo o que fala e tudo o que expressa: feliz. Eu, que mal conheço Clarice e Pessoa, que já escrevi aos prantos e ri de tragédias, que tropeço em qualquer esquina e falo baixo; eu, que tolamente finjo, que estupidamente ponho-me a amar tanto quanto a odiar, que descobri cedo que vim ao mundo muito tarde, que não durmo, eu que calo. Eu, que descobri na aurora do anteontem que o raro talvez não seja impossível e que trocaria todos os amanhãs por um único minuto jogada em certo lugar macio que não é o meu, como se de vento em popa navegasse em outra superfície de outro lugar em outro tempo que não conheci. A esquisito-caladinha e eventual insano-falante que troca a melancolia pelo êxtase, que chora sentada em poltronas (porque estas são cheias de pontos frágeis e melancólicos) e que ri no silêncio da pausa já foi a tempo avisada de todas as coisas e saberes que os poetas guardam para si. Alguém tratou de avisar, algum vento de outubro, algum frescor de frutas de verão, alguma voz escondida em um corredor extenso trouxe o aviso. Lembraram-me de que os poetas nascem com graça e que deles escorre um mel de beleza que não se vê a não ser que se seja também como eles, um brilho na ponta dos pés como um ramo de flores, um encanto posto nos braços tal quais abraços mornos. Um dote dos deuses, um doce segredo nobre e sublime: o dom das p-a-l-a-v-r-a-s.

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