sábado, 9 de outubro de 2010

Encolhida


Tiro meus óculos para não enxergar as belezas que não são minhas e evitar desejá-las, prendo os cabelos para não ser percebida. Sou invisível na rua vazia e agradeço aos céus por parecer um fantasma no caminho escuro, pálida em desespero escondido, imperceptível. Alguém escrevera em tinta branca nos portões de um galpão abandonado um pedido de casamento. Eu não sorri ao lê-lo, coisa que faria com facilidade se os tempos não fossem de coração seco.
Tudo parecia tão errado, cada canto tão sujo, cada passo machucava minhas pernas, cada minúscula célula do meu corpo amortecia com o frio intenso. Sentia-me fraca.
Ignorei as crianças brincando na garagem com seus avós. Ignorei o casal conversando na porta da casa. Os seus risos, as suas faces risonhas, as suas mãos grudadas – fingi não vê-los. Havia coisas presas em mim, palavras ardentes presas em meus lábios, sangrando silenciosamente pela minha garganta. Gostaria de poder queimar, destruir as paredes pichadas com frases amáveis, cessar os sorrisos tolos, as mãos espalmadas. Por que vocês riem? Por que estão brincando? O mundo está sangrando aqui fora, nessas calçadas sombrias, rasgando pelos cantos medrosos com seus amores caídos, com seus sentimentos de chumbo, seus sorrisos de lata.
Não me dê forças, eu não quero ver teus encantos, eu não espero lembrar da tua voz quando o dia amanhecer. Quero fazer-te insignificante – como eu fui – e permanecer sorrateira, tímida, sólida. Mais ou menos inteira, o mais viva possível.
Por isso, não me conte: eu não quero saber. Eu não estou aqui.

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